EU ERA REPÓRTER, ELE ERA FERNANDO!

Por Valeska Lippel

Em 2011 eu conheci Fernando. Eu era repórter ele era Fernando.
Deitado na frente de sua casa eu o encontrei. Homicídio, 3 tiros, um corpo, Fernando.

Nunca tinha visto cena triste como esta. Alguns minutos pareceram horas.
Fizemos nosso trabalho e seguimos para a próxima entrevista.
Era com o então prefeito, mas a cena anterior não me deixava a mente.
A pergunta era uma, eu perguntei outra. Olhei para o prefeito e questionei se ele conhecia Fernando. Fernando? Quem é Fernando? Ele indagou. Eu disse, Fernando não é, era!

Enquanto olhava para o homem no chão, o vizinho narrava. Contou-me a história deste jeito:
Era homem bom, como eu. Trabalhador, como eu. Única fonte de renda da família como eu. Morreu, como…
Não sei se foi isso que o homem disse, foi o que eu ouvi. Olhei pra ele e perguntei-lhe o nome. Agora me parece que era Fernando. Não o morto, o vivo, meio vivo. Contava a história do morto, como se contasse a sua. Na reportagem contei as duas, como se contasse uma, era a mesma.

Hoje penso que deveria ter perguntado ao prefeito sobre os Fernandos, o que não era e o que viria a ser.
Deixamos o bairro dos Fernandos, eram tantos….

Dois anos se passaram, e ainda os vejo na TV. A cada edição do jornal local, tenho a chance de me despedir. Eles não me conhecem, não conhecem o prefeito e o povo não sabe seus nomes.

Não venho criticar, falar da violência e tudo que precisa mudar. Vou apenas dizer-lhe o nome, cada vez que cena se repetir. Vou lembrar da mulher que chorava naquele dia e das crianças que na época sequer entendiam o que aconteceu. Vou dar-lhe vida, chamarei a todos Fernando. Se puder, chame-o também. Lembre-se que o corpo tem nome, esposa, filhos, sobrenome, pai e mãe. Chamar-se-á Fernando cada vez para que não se esqueça que é uma vida, era… Fernando!